11.1.09
Semana Internacional sobre Criatividade - IWE2009
Neste momento a organização do encontro está a receber propostas de participação para comunicações e workshops.
Ver mais em: http://ndsim.esec.pt/pagina/iwe2009/
Animação, Diversidade e Intercâmbios Juvenis
Mário Montez – Animador Sociocultural
Colaboração de: Amílcar Costa, Cátia Vilar, Hermínia Pinho, Nádia Zambujo – ESEC
O presente documento é a adaptação do texto de apoio à apresentação realizada no Seminário EDUCAÇÃO, ANIMAÇÃO E DIVERSIDADE – os intercâmbios juvenis, em 21 de Novembro de 2008, dirigido a alunos e alunas da ESEC.
O seminário teve como objectivo apresentar os “Intercâmbios Juvenis” como plataforma de trabalho educativo e estratégia de Animação Sociocultural. Enfatisou-se o aspecto da diversidade no diálogo intercultural, na procura de soluções criativas e na construção de uma sociedade global sem grupos ou vontades dominadoras e baseada na Paz.
Ao longo do seminário fizemos uma breve incursão pelos elementos do título, relembrando a sua interligação. Abordámos as questões em torno da Diversidade e de Criatividade enquanto fenómenos inerentes a uma educação e desenvolvimento contemporâneo e pós-moderno. Apresentámos sucintamente duas teorias inerentes a cada um destes fenómenos:
a) Sabedoria das Multidões
b) Pensamento Lateral.
Focalizámos a nossa apresentação na experiência do Bearnaise Project, projecto do Programa Europeu Youth in Action, em que participámos em Outubro de 2008, em Kortrijk, na Bélgica, e que pelo interesse consideramos nosso dever partilhar com colegas da ESEC. Por fim realizámos, com o público participante, uma actividade que revelasse parte da nossa experiência e o potencial dos intercâmbios juvenis enquanto plataforma de intervenção socioeducativa.
OS CONCEITOS
Educação e Animação
Educação e Animação estão estreitamente ligadas, não só pelo aspecto semântico mas também pelo aspecto prático e de acção. A nível semântico ambas se envolvem na necessidade de dar vida e alma a algo ou de trazer para fora e ao de cima, orientadamente, algo que está dentro de cada pessoa. Enquanto a Educação tradicionalmente se centra no processo sobre a pessoa, a Animação centra-se na capacitação das pessoas enquanto elementos activos de uma comunidade. Ao nível das práticas, a Educação está implícita na Animação Sociocultural assim como a Animação permite a acção na Educação Não-Formal. Não é possível pensar em Animação Sociocultural isenta de Educação, como não se pode pensar em Educação sem objectivar a capacitação da pessoa enquanto elemento que interage num ecossistema. Neste contexto surgem dois aspectos essenciais à abordagem deste seminário:
1) o aspecto da Diversidade
2) o aspecto da Criatividade.
Ambos os contextos são essenciais para compreender a importância dos Intercâmbios Juvenis enquanto plataforma de intervenção educativa.
Diversidade e Criatividade
A Diversidade surge nos intercâmbios juvenis como um elemento natural. A realização de intercâmbios juvenis de carácter internacional proporciona o encontro de jovens de vários países diferentes, consumidores e produtores de culturas diferentes. Neste quadro os intercâmbios fomentam o contacto com a diversidade, através de tarefas realizadas em conjunto nas quais se discutem diferentes pontos de vista para o desenvolvimento de uma situação.
O encontro com a Diversidade obriga a tentar compreender e a respeitar pontos de vista divergentes, baseados, muitas vezes, em valores, tradições, crenças e experiências diferentes. Um encontro que poderá ser também confronto de ideias mas nos quais desaparecem obrigatoriamente as habituais dicotomias (ou relações de grandeza) de superior/inferior; melhor/pior; certo/errado; evoluído/atrasado; rico/pobre; experiente/ingénuo; civilizado/primitivo. O intercâmbio entre jovens descobre práticas alternativas ausentes nestas dicotomias mas existentes em outras realidades[1]. O intercâmbio de jovens educa para a tolerância perante a Diversidade e para a aceitação do Outro, possibilitando, por conseguinte, a aceitação de ideias e de perspectivas diferentes do mundo, eliminando a percepção enviesada do todo através das partes. O respeito pelas ideias e pontos de vista não convergentes com os nossos contribuem em grande parte para a resolução de problemas, de forma inovadora.
Esta visão da Diversidade valoriza-a enquanto factor essencial à troca de aprendizagens, ao desenvolvimento e à inovação. Confronta-se com a tradicional visão dominante de Diversidade enquanto algo que produz ambiguidades e discórdia. Com efeito, a União Europeia é uma construção baseada na Diversidade que procura contributos diversos. Empresas de sucesso apostam na diversidade para a descoberta e lançamento de novos produtos de sucesso. A teoria da Sabedoria das Multidões (Wisdom of Crowds) baseia-se na ideia de que grupos formados na diversidade tomam melhores decisões do que peritos. A Diversidade é, também, uma ferramenta de educação utilizada sem receios pelo movimento da Escola Moderna.
Dar espaço à Diversidade é uma necessidade absoluta na educação contemporânea e na procura de alternativas aos paradigmas do conhecimento, do desenvolvimento, e aos modelos sociais e económicos actuais. A Diversidade é geradora de alternativas e de inovação.
Durante o Bearnaise Project o contacto entre jovens de vários países europeus, portadores de diferentes experiências pessoais, profissionais e sociais, possibilitou a descoberta de soluções inovadoras para as diversas tarefas do programa. Uma das tarefas consistiu em reinventar espaços públicos de lazer, transformando-os em espaços de educação e aprendizagem. O maior desafio e a actividade “pedra angular” do projecto foi os e as participantes realizarem oficinas criativas com jovens de uma universidade belga (Howest – Universidade da Flandres), com base num processo criativo no qual a diversidade de ideias e de pontos de vista imperasse. O desafio consistia em ir o mais longe possível da ideia inicial – aquela que cada participante trazia de casa para a concepção da oficina. E isto só pode ser possível através de processos baseados na aceitação da Diversidade e da diferença de pontos de vista e de ideias. O resultado foi um conjunto de experiências de grande sucesso, marcadas pela originalidade e inovação.
A Criatividade é a ferramenta urgente na Educação formal tradicional para que esta se adeqúe às necessidades contemporâneas. Criatividade é ferramenta imprescindível e inata na Animação Sociocultural e na Educação Não-Formal. Mais do que uma capacidade pessoal, a Criatividade pode ser um processo de um colectivo de pessoas. Os intercâmbios juvenis são laboratórios desta mesma forma de produção criativa. Como vimos, a aceitação da Diversidade permite a inovação e a solução criativa de problemas e situações. Nos intercâmbios entre jovens fomenta-se a aprendizagem e a busca de soluções criativas. A organização e a monitorização dos intercâmbios procuram ser criativas de forma a envolver os jovens e as jovens participantes nos processos de aprendizagem. Utilizam-se técnicas que estimulam a criatividade e técnicas criativas de educação não-formal.
Durante o Bearnaise Project Criatividade foi a palavra chave para todas as tarefas e desafios que se realizaram. Foram descobertos processos e métodos de construção de novas “coisas” tendo como ferramenta a Criatividade e a tolerância à Diversidade. Duas “palavras de ordem” eram: Open Mind! e No Idea Killers! Isto quer dizer que os e as participantes deveriam estar receptivos a diferentes pontos de vista e que não poderiam nunca destruir as ideias dos outros e outras participantes.
A Criatividade pode ser estimulada e treinada, assim como outras capacidades dos seres humanos. As pessoas não têm todas a mesma capacidade criativa nem o mesmo meio envolvente (família, escola, grupos) propício ao desenvolvimento da Criatividade. Por isso os intercâmbios juvenis surgem como importantes espaços de desenvolvimento desta capacidade, considerando primordial o ambiente envolvente para a geração de ideias. Destes espaços férteis ao pensamento criativo surgem também ideias para futuros projectos internacionais subordinados a variados temas ou dirigidos a determinadas preocupações.
AS TEORIAS
As abordagens aos fenómenos de Diversidade e de Criatividade levam-nos agora ao encontro de duas teorias que importam apresentar. São teorias que ilustram a importância dos intercâmbios enquanto plataformas de Educação Não-Formal, de aprendizagens pessoais e colectivas, e de inovação.
A Sabedoria das Multidões (Wisdom of Crowds)
A teoria da Sabedoria das Multidões[2] ou sabedoria colectiva assenta na ideia de que um grupo diversificado de pessoas consegue tomar decisões mais acertadas sobre uma matéria do que um grupo de peritos nessa mesma matéria. Baseia-se no facto de que os peritos de um determinado assunto partem de pressupostos idênticos gerados pela sua formação ou pela sua prática, criando um efeito denominado “thinkgroup”. Isto impossibilita-os, muitas vezes, de tomarem decisões correctas sobre situações novas e/ou desconhecidas.
No entanto, um grupo de pessoas, de certa forma ligadas a uma determinada situação (e no qual poderão estar os peritos), consegue tomar decisões mais acertadas porque pode pensar fora dos trâmites habituais. Para isso é preciso que as pessoas se mantenham independentes umas das outras e possam exprimir a sua ideia sobre a resolução da situação, com plena liberdade. Isto é, é necessário que cada pessoa contribua livre e activamente para o encontro da solução.
A Sabedoria das Multidões foi inicialmente pensada quando em 1906 o cientista britânico, Francis Galton, decidiu estudar as respostas dadas por um grupo diversificado de pessoas numa aposta sobre qual o peso de um boi, que se apresentava vivo, depois de morto e preparado no matadouro. Galton pensou que as pessoas que não eram peritas na matéria nunca conseguiriam chegar nem perto do valor do peso do animal. Quando decidiu estudar e fazer a média das 787 respostas dadas, descobriu que a resposta da multidão era bem próxima da resposta certa. Com efeito, a média da multidão era de 1,197 Libras e o peso real era 1,198 Libras.
Galton nunca pensou que a média de respostas fosse algo próxima da resposta certa. Afinal, tratava-se de uma mistura de algumas pessoas espertas, com pessoas muito pouco inteligentes e outras bastante medíocres, e esperava-se uma resposta igualmente medíocre. Afinal Galton estava errado. Se considerarmos a multidão como uma pessoa – a resposta de um grupo como uma resposta – a resposta seria quanto uma pessoa teria calculado o peso do boi.
Esta teoria abriu a porta à possibilidade de se incluírem em processos de decisão pessoas implicadas nos mesmos mas que não se consideram peritos nas matérias sobre esses processos. Por outro lado, episódios históricos de fracasso, mostraram que se os peritos tivessem tido em conta as opiniões das multidões (das massas) os mesmos acontecimentos não teriam sido fracasso. Uma anedota conhecida ilustra humoristicamente esta situação: “o que é um camelo? É um animal concebido por uma comissão de peritos a quem se pediu para desenhar um cavalo.” Teria sido mais interessante se se tivesse desenhado um camelo a partir de um grupo diverso de pessoas a quem se pedia para conceber um animal forte e rápido como o cavalo mas resistente ao deserto. Há sempre um outro lado para mesma moeda!
Voltando à teoria da Sabedoria das Multidões, esta leva-nos a considerar importante a Diversidade dos grupos e a participação livre e independente de cada pessoa num grupo. A melhor forma de um grupo ser inteligente é que cada pessoa no grupo pense e actue da forma mais independente possível. Nesta teoria a Diversidade e a independência são importantes porque as melhores decisões colectivas são produto de desacordo e divergência, e não de consenso e de compromisso.
No processo de concepção das oficinas criativas no Bearnaise Project foram criados grupos com base nas diferentes ideias que cada participante trazia consigo para a realização de uma oficina criativa. Os participantes juntaram-se discutindo as suas ideias, respeitando a de cada outra pessoa, e produziram novas ideias. O resultado foi que várias oficinas se tornaram tão originais que proporcionaram a quem as realizou e a quem participou, verdadeiros momentos de aprendizagem com base em “coisas” nunca vistas e em experiências nunca sentidas.
O Pensamento Lateral
O Pensamento Lateral[3] é uma ferramenta da percepção que está na base do pensamento criativo. O Pensamento Lateral está na base da geração de novas ideias. O Pensamento Lateral é uma forma de reformular padrões a que a nossa mente se habituou por meio do pensamento lógico. A reformulação de padrões está na base das ideias novas e da Criatividade. Esta teoria dá relevo ao papel da criatividade na Educação, considerando que esta não se restringe à recolha de informação mas também à forma de utilizar a informação recolhida, reformulando os padrões.
A reformulação de padrões é a chave do Pensamento Lateral. A ideia é partir dos padrões estabelecidos e reformulá-los, indo ao encontro de ideias inovadoras que resolvam situações e problemas. O Pensamento Lateral contempla saltos desconexos de ideias, que são a evolução de uma ideia para outra mais avançada, sem a descrição das ideias intercalares.
O Pensamento Lateral contempla uma ferramenta linguística que induz à reformulação de padrões e a reordenação da informação: a palavra PO. A palavra PO está para o Pensamento Lateral como a palavra Não está para o pensamento lógico, embora esta seja uma ferramenta linguística de negação.
Um dos exercícios do Bearnaise Project foi precisamente desafiar os e as participantes a realizarem uma tarefa – a de reinventar um espaço como espaço de aprendizagem – bombardeando-os com o PO cada vez que o grupo seguia um padrão. Por exemplo, se um grupo seguia a ideia de uma única pessoa – tipo líder – os formadores (mascarados de Crazy Professor) interrompiam-no com PO. Se o grupo seguia um padrão de raciocínio habitual, depois de alguém dar uma ideia, era interrompido com PO. Cada vez que o grupo ouvia o PO era obrigado a reformular o padrão que seguiam naquele momento. Isto levou à criação de impressionantes novos espaços, utilizando os recursos já existentes. Foi criado um espaço de aprendizagem sobre o Cosmos num abrigo de madeira de dois pisos; um espaço de leitura e aprendizagem de geografia numa torre de elásticos; um espaço de descoberta da natureza com mobiliário natura num pequeno recanto com árvores; um espaço de aprendizagem de canto numa manilha de cano de escoamento de águas (rolo/túnel) utilizado na construção; e até, mais tarde, um aparelho de aprendizagem de técnicas de futebol e de escalada, num grande tonel de madeira, aberto de ambos os lados, também reinventado como sala de reuniões dos formadores.
INFORMAÇÕES PRÁTICAS
O Bearnaise Project - Creative approaches in non-formal learning and informal spaces
O projecto Bearnaise é um intercâmbio de jovens, com carácter formativo, realizado ao abrigo da acção 1 do Programa Juventude em Acção (Youth in Action) , com vista à partilha e aprendizagem de abordagens criativas na Educação Não-Formal e na transformação de espaços de aprendizagens.
Esta primeira edição do Bearnaise foi realizada entre 10 e 19 de Outubro na Bélgica, pela organização Projecto Mayonaise (com coordenação de Brecht Soenen), em duas cidades: Kortrijk e De Panne. O ponto alto do intercâmbio foi a concepção de workshops inovadores a partir do encontro de ideias dos participantes. Os workshops foram realizados em regime experimental com jovens estudantes do 1º ano do curso superior de serviço social da universidade HOWEST, da Flandres, durante a sua semana de criatividade (CREA week) em De Panne.
O Bearnaise possibilitou a formação em torno das abordagens criativas, disponibilizando instrumentos, teorias e técnicas relacionadas com a criatividade e a diversidade.
Estiveram presentes jovens e adultos da Bélgica, Eslováquia, Itália, França, Bulgária, Hungria e Portugal. A equipa portuguesa foi formada por alunas e um aluno da ESEC, colaboradores da AJPaz – Acção Justiça e Paz, organização não governamental sediada em Alfornelos. As equipas dos outros países representavam organizações de trabalho social ou cultural com jovens e comunidades.
Mais informação e imagens em: www.promayo.be
O programa Juventude em Acção
O programa Juventude em Acção (Youth in Action) é um programa da União Europeia que tem como objectivo estimular o sentido de cidadania europeia, solidariedade e tolerância dos jovens, assim como a sua participação na construção do futuro da UE. Permite a mobilidade de jovens dentro e fora da Europa.
No âmbito do Programa Juventude em Acção são desenvolvidos intercâmbios juvenis entre jovens de países europeus e de países não europeus, com vista a educar, através da educação não-formal, os jovens para a diversidade, para a tolerância, contra o racismo, para o multilinguismo, o voluntariado e permitir também a inclusão de jovens mais carenciados. Os custos de participação nos intercâmbios do Juventude em Acção são muito reduzidos e contemplam as despesas de viagem, alojamento, alimentação, materiais e monitorização de actividades.
O programa contempla 5 acções que possibilitam experiências diversas, desde os intercâmbios ao Serviço Voluntário Europeu (SVE) passando pelo apoio a organismos activos no domínio da juventude.
As acções:
Acção 1 – Juventude para a Europa
Sub-Acção 1.1 – Intercâmbios de Jovens
Sub-Acção 1.2 – Iniciativas dos Jovens
Sub-Acção 1.3 – Projectos Jovens e Democracia
Redes Temáticas
Acção 2 – Serviço Voluntário Europeu
Acção 3 – Juventude no Mundo
Sub-Acção 3.1 – Cooperação com os Países Parceiros Vizinhos da União Europeia
Sub-Acção 3.2 – Cooperação com Outros Países do Mundo
Acção 4 – Sistemas de Apoio à Juventude
Sub-Acção 4.1 – Apoio aos organismos activos a nível europeu no domínio da juventude
Sub-Acção 4.2 – Apoio ao Fórum Europeu da Juventude
Sub-Acção 4.3 – Formação e ligação em rede de profissionais activos no domínio da juventude e de organizações de juventude
Sub-Acção 4.4 – Projectos que visam promover a inovação e a qualidade
Sub-Acção 4.5 – Acções de informação destinadas aos jovens, profissionais activos no domínio da juventude e organizações de juventude
Sub-Acção 4.6 – Parcerias
Sub-Acção 4.7 – Apoio às estruturas do Programa
Sub-Acção 4.8 – Valorização do Programa
Acção 5 – Apoio à cooperação europeia no domínio da
juventude
Sub-Acção 5.1 – Encontros de jovens e de responsáveis pelas políticas de juventude
Sub-Acção 5.2 – Apoio às actividades que visam um melhor conhecimento do domínio da juventude
Sub-Acção 5.3 – Cooperação com organizações internacionais
É possível encontrar toda a informação em: www.ec.europa.eu/youth ou através da Agência Nacional do Programa Juventude: http://www.juventude.pt. É possível encontrar informação sobre os intercâmbios e formações a realizar presentemente e no futuro em: http://www.salto-youth.net
Conclusão
Participar num intercâmbio juvenil é, hoje em dia, uma oportunidade educativa ao alcance de quase todas e todos os jovens europeus. É um complemento “vitamínico” à educação superior especializada que abre portas para um conhecimento mais profundo do mundo e permite novas perspectivas sociais, culturais e políticas. É uma ocasião ímpar para se conhecer mais jovens, para aprender novas “coisas”, para provar novos sabores, para ouvir outras línguas. É, principalmente, uma oportunidade para contribuir para a construção de um mundo melhor e mais inovador, baseado na tolerância, na compreensão e na aceitação dos outros, visando a Paz.
Referências bibliográficas
Bono, Edward, de (2005). "O Pensamento Lateral - Um Manual de Criatividade". Cascais: Pergaminho.
Filho, Rodolfo R. P. et al (2005). "Criatividade e Modelos Mentais". Rio de Janeiro: Qualitymark Editora.
Santos, Boaventura de Sousa. “Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências”. In Santos, B.S (org) (2003). “Conhecimento Prudente para uma Vida Decente. Um discurso sobre as ciências revisitado”. Porto: Ed. Afrontamento.
Surowiecki, James (2005). “The Wisdom of Crowds: Why the Many Are Smarter Than the Few and How Collective Wisdom Shapes Business, Economies, Societies and Nations”. New York, Anchor Books.
Trilla, Jaume. (2005). "Animação Sociocultural - Teorias, Programas e Âmbitos". Col. Horizontes Pedagógicos. Lisboa: Edições Instituto Piaget.
[1] Esta ideia é baseada na teoria da Sociologia das Ausências, de Boaventura Sousa Santos. A Sociologia das Ausências visa pôr a descoberto (estudar, investigar, divulgar) as realidades alternativas ausentes nas relações de grandeza que se estabelecem habitualmente, como por exemplo nas dicotomias Norte/Sul; Homem/Mulher; Cultura/Natureza; Civilizado/Primitivo. Boaventura S. Santos defende que há mais para além destas oposições. Há outras realidades que estão ausentes sempre que hierarquizamos estas relações mas que existem, fora do nosso conhecimento ocidental, embora não as consideremos credíveis, por considerarmos apenas credível o que produzimos como existente.
[2] The Wisdom of Crowds é o título do livro de James Surowiecki que explora vários casos, estudos e teorias em torno da sabedoria colectiva.
[3] Pensamento Lateral é um conceito apresentado pelo psicólogo e professor universitário Edward de Bono, no seu livro Pensamento Lateral – um Manual de Criatividade.
20.1.08
ASCE no enlace multicultural
A minha comunicação realizada no âmbito da iniciativa "Encontros de Inverno 3", da Escola Superior de Educação de Coimbra, organizado pelos alunos finalistas, em 12 de Janeiro de 2008. Conforme prometido, edito-a no blog.
Escola Superior de Educação de Coimbra
Encontros de Inverno III – Diálogo Intercultural: desafios à Animação Socioeducativa
Painel: (Des)enlaces entre povos. Coimbra, 12 Janeiro 2008
Painel: (Des)enlaces entre povos
Título: A Animação Sociocultural e Educativa no enlace multicultural
(comunicação)
Autor: Mário Montez
Resumo
Tendo em conta o mote: o enlace ou o desenlace entre povos, e o contexto do Diálogo Intercultural e de Animação Socioeducativa, considerei oportuno partilhar dois aspectos: 1) o desenlace de uma prática de intervenção; 2) uma reflexão em tom de desafio para futuras perspectivas de intervenção. Isto é: uma comunicação sobre uma intervenção de ASCE num bairro africano de Lisboa; e uma reflexão, em tom de desafio, sobre o papel da Animação portuguesa no renovar das relações com os países da Lusofonia. Por um lado participando nas suas capacitações, reconstruções e evoluções, por outro, aprendendo a viver a multiculturalidade, promovendo o Diálogo Intercultural.
Palavras-chave: Diálogo Intercultural; Multiculturalidade; Animação Sociocultural e Educativa;
Introdução
O enlace da ASC no Diálogo Intercultural, em Portugal acontece nas experiências e práticas dos animadores e no campo de partilha da sua intervenção enlaçada com os povos, comunidades e grupos étnicos e culturais, residentes neste nosso (de todos) país à beira-mar plantado. O enlace ou desenlace entre os povos surge, ou deveria surgir, precisamente no lugar em que esta nossa terra encontra o mar. É deste cais de embarque que velejamos na partilha de dois aspectos sobre a ASCE e o Diálogo Intercultural:
- Uma prática de intervenção;
- Uma reflexão (ou desafio) sobre a ASCE e o Diálogo Intercultural.
A prática apresentada é espelho de várias outras similares, de intervenção em comunidades africanas diversificadas por dentro e homogéneas para quem as olha de fora. Uma experiência multicultural em Portugal, na qual o “estrangeiro” foi o animador português. Uma prática que prova o ensejo de re-enlace entre povos que durante séculos se viram (sem juízos de valor) enlaçados e depois, desenlaçados. Uma prática que tentou o enlace de uma comunidade excluída com a sociedade dominante.
A reflexão apresentada resulta num desafio para renovar enlaces, desenlaçando as relações de que há 35 anos nos esquecemos, e que ficaram do outro lado do mar.
Reinventar os espaços, criativizar e renovar as relações
Entre 2002 e 2003 participei como técnico de Animação Sociocultural num projecto governamental, em intervenção num bairro da periferia de Lisboa, habitado por gente que veio de África nas décadas de 1970 e 80. Uma população de mais de 3000 pessoas, maioritariamente cabo-verdiana, que, identificados como africanos, não eram (alguns) menos portugueses do que eu e os meus colegas. Esta intervenção contemplava a existência de uma figura de Mediador Jovem Urbano, como elemento da equipa. Uma estratégia que visava a aproximação do projecto à comunidade, procurando agir para e com os grupos deste bairro, nas suas diversas capacitações para a inclusão social. O território era a Azinhaga dos Besouros, na Pontinha. um território fronteiriço entre três concelhos: Lisboa, Odivelas, Amadora. Por isto e pela sua natureza problemática, uma verdadeira terra de ninguém.
Andar no bairro era mergulhar por completo numa experiência cabo-verdiana, ainda que numa zona pobre do arquipélago. Ali, por detrás da primeira paisagem que nos aflige, reencontrei os cheiros, os sons, as falas, os sinais, símbolos, e hábitos com que tinha contactado anos atrás no Mindelo e em Santo Antão. Neste bairro, tão agradável quanto tenebroso, tão esquecido e tão lembrado; amado e odiado, por uns e outros, nós, os “portugueses de gema” éramos os mais estrangeiros. Por isso, o diálogo era imprescindível para desenvolver acções que, para lá dos objectivos técnicos (a nossa razão de ali estar) eram necessárias para trabalhar a participação da comunidade nos seus processos grupais e individuais de inclusão social. Coisas simples como as crianças irem à escola, a higiene diária e outras necessidades básicas, faltavam, para alguns, naquele espaço comum.
Efectivamente, foi sobre o espaço que se evoluiu. Os espaços existem para e pelas pessoas. E já existiam antes da Animação. O reinventar dos espaços e a construção de relações baseadas na tolerância e na compreensão das formas de estar pessoais e comunitárias, ao mesmo tempo da assertividade nas acções e a exigência de que a multiculturalidade fosse uma via de dois sentidos, foi o sucesso da experiência. Nunca como gostaríamos, é certo. Mas a Animação nestes contextos não se faz por gostos, faz-se pelo que é possível fazer, lembrando-nos que não é feita para nós mas sim com todos.
A transformação dos espaços de aprendizagens informais – dos grupos de referência “negativos”, por espaços de educação não-formal, liderados pelos mesmos grupos tendo agora em vista novos objectivos, foi o factor que diferenciou, a meu ver, a nossa intervenção de outras anteriores. A ASALA, era um espaço que os jovens queriam utilizar; transformou-se no Clube de Jovens. A Mansão era um espaço de vivências mais veteranas de consumos, jogo e negócio entre jovens; ficou assim mas abriu-se acesso na rua para a passagem de pessoas. O Clube foi um espaço que em conjunto “defendemos” da demolição pelo município, para ser transformado em lugar de festas de um outro grupo de jovens com diferentes objectivos. O Esconderijo dos AZARAMAFAT nunca foi descoberto (pensam eles) mas sempre encorajado como espaço próprio e íntimo, de descobertas a que os jovens têm direito. No meio disto, os grandes dealers e as pessoas influentes da comunidade participaram na reconstrução de espaços e momentos, e na construção de um processo de realojamento que em breve se faria. Pelo meio, a configuração de um grupo de jovens, com saídas de conhecimento para fora do bairro e um programa de desenvolvimento de competências pessoais e sociais que os levou a experimentar profissões, desportos, e reflectir sobre as expectativas que tinham das duas vidas futuras. Um longo caminho que só em 2006 (três anos depois) se consolidou.
No desenrolar do projecto aconteceram, em ambos os lado, aprendizagens sobre o Eu e os Outros. Apreciaram-se os bolinhos da Mizi e explicou-se-lhe porque o filho não era contemplado no realojamento; e porque deveria aceitar a cor do hall da nova casa. Valorizaram-se os espaços de ócio e “desocupação”; os bancos improvisados; o kizomba e o hip-hop crioulo; os salgadinhos da jovem Didita e a venda que ela fazia pelo bairro. Ao mesmo tempo encorajaram-se os investimentos escolares junto dos jovens e dos pais. Levaram-se os problemas do bairro à Junta de Freguesia e à Polícia, e encontraram-se algumas soluções. Aprendemos passos de dança africana e como uma festa pode realmente ser organizada sem organização aparente. Entrámos nas casas e apreciámos os símbolos, e discutimos opiniões. Trocámos, entre nós, valores de uma cultura por outros de outra, e encontrámos espaço e tempos para coexistirem.
A aprendizagem deste processo leva-me a reflectir sobre as relações que Portugal e os portugueses têm com os países africanos, em particular, e com os países lusófonos, em geral. Com efeito, a guerra colonial veio pôr fim não só a um conjunto de vivências colonialistas mas também a uma relação de 500 anos de relacionamento. A emergência de uma evolução nesta relação nunca deveria ter sido conflituosa mas sim de entre-ajuda na consolidação de verdadeiras democracias, aproveitando as (também) boas relações humanas efectivadas ao longo de séculos. A retirada abrupta de Portugal do “Ultramar” para uma moderna viragem para a Europa, próspera e democrática, virou as costas à relação de Portugal com África, e também com o Brasil e Timor. Desta fase lembro o estigma, que ainda hoje perdura, em relação às sucessivas imigrações africanas, e depois as brasileiras, independentemente de trazerem operários ou dentistas. Aceites, eram apenas as personagens das telenovelas. Uma prova irrefutável de um Portugal mal agradecido, xenófobo e mal preparado, sem visão, para viver a sua “nova” Europeidade, enquanto país à beira mar plantado. Sem perceber que um dos contributos de Portugal é, realmente o Mar, a relação que temos com ele e com os povos do outro lado.
É, pois esta situação de país Atlântico “onde a terra acaba e o mar começa” que nos deverá permitir, a partir de agora virarmo-nos novamente para onde vivemos a nossa multiculturalidade, mostrando, através de metodologias de Animação Sociocultural e Educativa que é possível construir um outro mundo. Um mundo de Paz. Para quê a Multiculturalidade e o Diálogo Intercultural senão para a edificação de uma Paz global? Nesta lógica, mas noutro contexto, é também desafio o diálogo de Portugal com Espanha e a construção de redes Ibéricas para o desenvolvimento social. Como viver o Diálogo Intercultural se não dialogarmos com o nosso vizinho? Escusado será enumerar alguns dos ganhos que Portugal tem na relação com Espanha – não de subserviência mas de diálogo e de parceria.
Voltando à questão atlântica, e aproveitando a deixa sobre parcerias: O desafio da Animação Sociocultural e dos profissionais que a desenvolvem passa, hoje, indiscutivelmente, pela vivência de um Portugal Europeu. Mas um Portugal Europeu que possibilite à Europa o que mais nenhum país consegue possibilitar: As parcerias e relações privilegiadas com África e Brasil (este último como uma das futuras potências mundiais, onde no campo social e dos Direitos Humanos tanto temos a colaborar, como na área da educação temos a aprender). Abrir a Europa ao Diálogo intercultural não é mais do que aproveitar a situação geográfica e Histórica de Portugal, e uma possibilidade de provar que não se cometem os mesmos erros duas vezes. Uma rota com vento de bombordo aguarda os novos e as novas profissionais da Animação Sociocultural, para um trabalho de reconstrução e enriquecimento multicultural. Assim, de uma forma empreendedora, re-enlaçamos laços desenlaçados, num futuro de Diálogo Intercultural.